Conheci o Garibaldi. Sua profissão: barbeiro, embora nunca o tivesse visto empunhando uma navalha ou outros apetrechos próprios. Estatura mediana, cabelos grisalhos, andava pelas ruas de Caxias num caminhar elegante e estava sempre bem vestido. Essas características, acompanhadas de uma conversa macia e aparentemente agradável, faziam dele uma pessoa de respeito. Segundo diziam os mais velhos, sua ocupação predileta era aplicar pequenos golpes nos incautos que caiam na sua lábia. Histórias a seu respeito não faltavam em quaisquer rodas de amigos. Geralmente os seus golpes envolviam operações de compra e venda, que nunca se concretizavam. Um dos golpes mais comentados dizia respeito à venda de sulfato de cobre para uns colonos. As pedras de sulfato de cobre têm formato e coloração parecida com as pequenas pedras de basalto - cascalho - tão comum na serra gaúcha. Como o sulfato de cobre era acondicionado em sacos de pano, segundo era voz corrente, o Garibaldi teve a idéia de conseguir alguns desses sacos onde teria colocado cascalho, recobrindo-o com uma pequena camada de sulfato de cobre. Feito isto, passou a visitar os colonos nas suas propriedades oferecendo o produto a preços convidativos. Todo viticultor necessitava do sulfato, que após misturado com água e cal, formava a calda bordalesa, um líquido a ser espargido sobre os parreirais em forma de verdadeiro defensivo agrícola. Se de um lado o Garibaldi aplicava o seu golpe nos destinatários da mercadoria, esses, por sua vez, contribuiam para a concretização do golpe diante da oportunidade de compra a preços muito abaixo daqueles praticados no comércio especializado. Mas o golpe mais comentado, foi o que envolveu a venda de uma casa edificada provisoriamente na praça central da cidade. A Festa da Uva, maior evento de Caxias do Sul, naquela época era realizada a cada quatro anos. Numa determinada edição da festa, os seus organizadores resolveram colocar na praça central uma casa de madeira, a qual serviria, como efetivamente serviu, de escritório central da Festa da Uva. Uma das atividades industriais da empresa Madezatti, também sediada em Caxias do Sul, era fabricar e vender casas de madeira pré-fabricadas. Uma dessas casas foi montada na praça central, de onde seria retirada após o encerramento da festa. E o golpe aplicado pelo Garibaldi, segundo seus historiadores, ocorreu justamente após o término dos festejos, quando a presença daquela edificação já não mais se justificava. Sem qualquer movimento de pessoas no seu interior, formou-se para o Garibaldi o pano de fundo propício para o seu intento, ainda mais que a casa havia sido montada defronte à agência do Banco do Brasil, que na época cumpria o importante papel de financiar a agricultura. Assim, era bastante elevado o número de agricultores que diariamente se dirigiam ao banco e para o Garibaldi e sua experiência, tudo não passava de mera questão de escolher um incauto para vender-lhe a casa. E segundo a lenda. efetivamente encontrou comprador, a quem enfatizou, incumbiria o trabalho de desmontar e carregar os painéis de madeira. O negócio só foi descoberto no dia em que o infeliz comprador, de manhã cedo, encostou um caminhão e junto com uns ajudantes teria iniciado a operação desmonte. Se tudo isto é verdadeiro eu não sei. Pessoalmente presenciei uma situação que não se pode dizer que tenha sido um estelionato. Eu trabalhava no outro lado do Banco do Brasil, na rua Sinimbú e um dos sócios conhecia o Garibaldi. Certo dia ele por lá apareceu e pediu um empréstimo ao meu patrão, no valor de dez mil cruzeiros. Foi atendido e foram ajustados os juros, estes no valor de mil cruzeiros. Dito empréstimo foi documentado através de um cheque no valor de onze mil cruzeiros, com prazo de trinta dias. Eu mesmo preenchi o cheque do Banrisul, retirado do talonário do meu patrão e assinado pelo Garibaldi. Esta parte da negociação eu não entendi. A explicação mais razoável para mim residia no fato de o meu patrão e o Garibaldi serem velhos conhecidos das tantas mesas de pif-paf que existiam pela cidade. Outra situação da qual tive conhecimento próprio ocorreu quando eu já estava estabelecido como estagiário no escritório de advocacia do Dr. Julio. Como sempre, as pessoas procuravam o seu sindicato para a solução de seus problemas. Numa sexta-feira, um associado veio até o meu escritório acompanhado pelo presidente de um determinado sindicato. Não era para tratar de uma reclamatória trabalhista, como geralmente acontecia. A pessoa necessitava de orientação legal na compra de um imóvel. A operação já havia sido concretizada, e o pagamento fôra ajustado em duas parcelas, sendo que a primeira delas já havia ocorrido cerca de trinta dias antes. Sua dificuldade estava em documentar a compra pois no dia seguinte iria pagar a segunda e definitiva parcela. Minha orientação foi no sentido de irem ao Tabelionato onde seria lavrada a competente escritura. Disse-me então que tal seria impossível eis que o vendedor estava recolhido ao Presídio Municipal. Intrigado, fiz algumas perguntas e então fiquei sabendo que ao visitar um amigo que também se achava preso, acabou conhecendo um senhor que estava com muitas dificuldades. Contou-lhe uma triste história de doença na família e a urgente necessidade de numerário para fazer frente à situação. Dizia-se preso injustamente, mas contava com a palavra de seu advogado de que a liberdade estava próxima. Meu cliente disse ainda que se comoveu com a situação do preso e diante da proposta de venda de um terreno, a preço módico, diga-se, não titubeou em ajudar a infeliz criatura. Como a prisão do Garibaldi era notícia conhecida na cidade, fui direto ao ponto, indagando do meu cliente se o nome do vendedor não era Garibaldi. A resposta foi afirmativa. Ainda assim pedi-lhe que fizesse uma descrição física do vendedor, e as informações prestadas correspondiam fielmente com o perfil do Garibaldi. Diante das evidências, não tive outra alternativa senão a de dizer ao meu cliente que ele deixara de perder o valor da segunda e última prestação. Contei-lhe tudo o que sabia a respeito do Garibaldi e num primeiro momento ele ficou uma fera mas depois, decerto com um pouco de vergonha por ter caído no conto do terreno, conformou-se. Mesmo assim, me dispus a elaborar um contrato de compra e venda, com a ressalva de que duvidava da existência de algum bem imóvel em nome do Garibaldi. Ficou de pensar no assunto e nunca mais voltou.
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