quarta-feira, 27 de agosto de 2025

TABAGISMO

O Brasil não é apenas samba, carnaval, futebol e corrupção. Temos algumas coisas positivas que ainda nem chegaram ao chamado primeiro mundo. Um desses avanços é a guerra contra o cigarro. Já chegamos a um estágio notável, mas nem sempre foi assim. Houve época em que os fumantes eram intocáveis. Nos tempos da faculdade - leia-se final dos anos sessenta - fumar na sala de aula era coisa para lá de normal. E o número de fumantes era expressivo, logo, o ambiente, principalmente nas noites de inverno, ficava para lá de poluído. O exemplo, aliás, vinha de cima, com vários professores, fumantes contumazes. Particularmente um deles, desembargador do TJRS, me deixava completamente intrigado no ato de fumar. Aspirava a fumaça mandando-a para os pulmões de onde nada ou quase nada saia. Dava a impressão que uma recorrente tosse brônquica era a responsável direta por aquela retenção. Como eu fumava e bastante, sabia do mecanismo de tragar e expelir e não compreendia o que se passava com o nosso mestre. Havia outro professor que fumava cachimbo. Enfim, fumar fazia parte do comportamento social masculino e já naquela época, completamente invadido pelo contingente feminino. Como toda regra comporta exceções, também havia um professor que não era fumante e não permitia que ninguém fumasse durante as aulas. Ele se deslocava de Porto Alegre todas as segundas feiras para as suas aulas de Direito do Trabalho, mesmo por que, para cada dia da semana a grade escolar estabelecia uma única disciplina, sendo que as aulas tinha início às 19:30 hs extendendo-se até às 22:30 hs, com um pequeno intervalo por volta das 21,00 hs. A nós outros, fumantes, restava o pequeno intervalo para saciar o vício, o que nos incomodava por demais. Nenhum argumento dos colegas mais corajosos conseguiu demover o Pinduca, esse era o apelido do professor, na sua determinação de proibir o cigarro na sala de aula. O descontentamento, hoje irracional, de todos nós fumantes, era geral. Os não fumantes, embora apoiassem o professor Pinduca, eram minoria e não tinham argumentos convincentes para nos acalmar. Passou o ano e nada conseguimos com o nosso inflexível mestre. Mas deixamos a nossa marca, embora seja obrigado a reconhecer, com bastante vergonha. Era inverno e alguém da turma teve uma idéia muito louca. Na próxima segunda-feira, todos nós fumantes chegaríamos à faculdade meia hora antes do início das aulas munido de um charruto. Dentro da sala de aula, manteríamos todas as janelas fechadas e ao mesmo tempo pitaríamos nossos charutos deixando o ambiente todo enfumaçado. Assim combinado, assim feito. É fácil imaginar como ficou um ambiente fechado, com cerca de vinte pessoas fumando charrutos. Para nossa frustração, no entanto, quando o professor Pinduca entrou, não, não entrou, abriu a porta para ingressar na sala, estancou. Todos nós ali sentados, esperando uma reação violenta, irracional ou coisa parecida, recebemos uma lição civilizada, pois sem se perturbar ou dizer qualquer palavra, simplesmente fechou a porta e foi embora. Manteve-se fiel aos seus princípios e por que não? à sua saúde. Em princípio nos regozijamos pelo feito sem saber que estávamos sendo derrotados, talvez o único revés daquela turma rebelde. Na semana seguinte o professor Pinduca retornou, não falou absolutamente nada e ministrou os seus ensinamentos normalmente, enquanto que nós outros, de forma comportada, assistimos a aula e também nunca mais tocamos no assunto. Vieram os exames finais e recebemos outra lição de integridade do verdadeiro professor, aquele que se dedica aos seus alunos, pois nenhum de nós sofreu qualquer represália, principalmente nas provas orais onde a subjetividade se presta para muita coisa, inclusive a desforra. Foi uma das grandes lições que recebi na minha vida.

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