terça-feira, 27 de dezembro de 2022

ROMANCE FORENSE

O marido escafedido

"Anula-se o casamento de homem que, após consorciar-se com mulher virgem, a abandona dois dias depois da cerimônia".

Essa frase sisuda resume o desfecho judicial de um caso que envolveu V. (homem) e M. (mulher), em média cidade interiorana do RS. Eles tiveram um namoro raro por causa de um importante diferencial: ela era virgem e assim se conservou até a noite de núpcias, por mais que o galante jovem falasse em modernismo e conveniência de profundas intimidades.

Depois de um ano e meio de namoro, os dois casaram num frio e úmido mês de agosto. Foram, então, duas noites - e talvez manhãs e tardes também - de alguns carinhos, descobertas, surpresas e farsas.

Mas antes do amanhecer do terceiro dia de núpcias, o homem desapareceu após deixar uma fria carta de despedidas. "Parti e não volto mais" - foi uma das frases pungentes.

Em estado de choque, a jovem mulher foi internada no hospital da cidade, “para tratamento clínico por reação paranóica aguda”. O médico atestou “existência de conjunção carnal recente”.

Com o apoio da família e a ajuda de tratamento psiquiátrico, ela se refez parcialmente do drama e já três semanas depois da fuga do novel marido, ingressou com ação anulatória de casamento, que não foi contestada.

O juiz nomeou uma prestigiada advogada como curadora ao vínculo. A sentença decretou a anulação do casamento e, por cautela, a curadora recorreu.

O relator analisou a prova testemunhal; leu, releu e tresleu o depoimento pessoal da lesada. E manifestou, no voto, “estupefação, pois todas as testemunhas se declararam incrédulas com a fuga de V., que dizia amar M.".

Ao confirmar a sentença, a Câmara deixou - digamos - um consolo para a mulher abandonada. "O fujão não tinha nenhum afeto pela cônjuge, só lhe revelando tal fato na noite de núpcias após havê-la deflorado - e talvez reste a ela o consolo de não ter tido que aguardar meses ou anos para constatar que ele era um mau-caráter" – refere o acórdão.

O revisor foi elogioso aos predicados da mulher abandonada e acre crítico ao marido fujão: “mesmo sabendo da arraigada formação religiosa da moça, o réu levou-a ao tálamo conjugal, possuiu-a e, a seguir, escafedeu-se – sendo, assim, um homem escafedido”.

O desembargador vogal discorreu sobre três tipos de homens. Os com H maiúsculo, os com h minúsculo e os... sem h.

Houve trânsito em julgado. Soube-se, há pouco, que a mulher reconstruiu sua vida afetiva. E que o homem escafedido reside no interior de Mato Grosso do Sul.

Fonte: www.espacovital.com.br

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