
O processo versava sobre uma tentativa de homicídio. A acusada era a pessoa mais popular da sua comunidade, quer pela sua truculência, quer pelo seu porte físico. Com a autoridade de quem media 1,80 de altura, com um físico de lutador de sumô e uma força descomunal, sua palavra era verdadeira lei no morro.
Aquele era mais um dos inúmeros processos em que ela figurava como acusada, pois briga era com ela mesma. E como tinha uma, digamos, certa vantagem física em relação aos seus opoentes, quase sempre do sexo masculino, ela acabava levando a melhor nas contendas e a pior nas conseqüências legais.
Por razões que desconheço, a acusada investiu contra seu companheiro, munindo-se de um machado e num só golpe acertou a face do mesmo, provocando-lhe um ferimento daqueles que lembram o Bochincho - "cortado do beiço à orelha..."
Pois naquela audiência seriam ouvidas as testemunhas da acusação e é claro, a vítima, na condição de informante.
Assim que a vítima ingressou na sala de audiências, imaginei a covardia da acusada. Era nítida vantagem física dela, com o corpanzil já mencionado e a figura mirrada do seu opoente. E ainda munida de um machado, enfrentando, se é que o termo é apropriado, o seu companheiro, um sujeito alto, magro e tímido ao extremo. A imensa cicatriz que portava no rosto era como um documento de identidade.
Quanto à desavença entre os dois, com a voz tão baixa quanto possível, quase sussurrando, ele respondeu que fora motivada por ciúmes.
- Seu Juiz, ela é muito ciumenta, disse ele, parecendo muito assustado.
Dado que a acusada era notoriamente muito truculenta, indaguei da vítima se depois daquela briga eles tiveram outras e se voltaram a conversar, ao que respondeu prontamente que apesar da briga, a convivência conjugal continuava como antes.
A resposta pegou a todos de surpresa, pois não seria de imaginar que depois de uma tentativa de homicídio alguém pudesse continuar vivendo sob o mesmo teto com o seu agressor.
- Então vocês continuam amigados, vivendo na mesma casa, comendo na mesma mesa e dormindo na mesma cama?
- Sim, respondeu prontamente.
- Mesmo depois de ter levado aquela machadada?
- Sim senhor.
- O senhor levou uma machadada que quase o matou. A cicatriz provocada lhe desfigura o rosto. Ela é ciumenta e mesmo assim você continua morando com ela? Você não tem medo?
- Medo eu tenho...
- E então? reforcei.
- O que faz o amor... Disse ele com um olhar matreiro para a sua amada.
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