terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

ROMANCE FORENSE

Madona e o juiz 
Texto de um juiz de direito de uma pequena cidade do noroeste do RS.

Abro a porta do auditório e faço o pregão: “Audiência das 16h30min. Maria e Abrelino” - grito eu com a voz já rouca.

Era a décima audiência da tarde.

A advogada, já conhecida, entra e me cumprimenta. Eu havia revisado todos os processos. Anotei, num rascunho, o número de cada processo, um breve resumo dos fatos e o pedido. Já passava das 17h. Pedi desculpas pelo atraso. Duas audiências de dissolução de união estável extrapolaram o horário da pauta: achei mais importante conciliar as partes.

Olho para a pessoa que entra na audiência e, por um breve instante, pensei ter pegado o processo errado. A parte autora havia peticionado informando que não se faria presente. Entretanto, no lado do réu, com a advogada do réu, havia uma mulher. Ou melhor, uma quase-mulher (a definição foi dela).

A advogada, vendo que eu havia me perdido, afirma:

- É essa audiência mesmo, doutor. Ela é o Abrelino.

E começa o diálogo:

- Tens algum nome social ou algum modo como gostaria de ser chamado?

- Madona. Se o senhor quiser saber como eu gosto de ser chamado, eu gosto de ser chamado de Madona.

- Pois bem, Dona Madona, tem uma ação aqui, de divórcio. A senhora Maria quer se divorciar da senhora. Vocês tiveram um filho, é isso ?

- É, doutor. Eu cresci rejeitado. Todo mundo tem nojo de mim. Eu tava cansado, queria ter uma vida digna, normal. Naquela época eu era homem.... achei que casando eu poderia mudar. Ela me mentiu. Nosso relacionamento durou quatro meses. Ela nunca me disse que tinha ficado grávida. Logo a gente se separou e eu resolvi virar travesti.

- Tudo bem, Dona Madona. Eu não estou aqui para julgar o que a senhora faz. A questão é que da relação nasceu um filho e a senhora precisa pagar pensão.

- Pois é, doutor. Eu tenho depositado, desde 2009, cem reais por mês. É o que consigo. Olha pra mim, eu tô até tísica. Faço no máximo três programas por mês. Ganho uns 300, 350 reais. Eu preciso comprar um perfume pra mim, uma roupa. Não é fácil. Se eu tivesse um emprego fixo, eu pagaria mais e até iria brigar pela guarda do meu filho – que – aliás, a mãe dele arruma um monte de pretexto para não me deixar ver a criança. Quando me vê, me xinga, me insulta.

- Dona Madona, a senhora reside aonde ?

- Na rua. Eu passo a maior parte do tempo dormindo na rua. Quando consigo fazer um programa, uso o dinheiro para dormir em algum hotel, tomar um banho.

- Eu vou homologar essa questão incontroversa, a partir de hoje a senhora está divorciada.

- Que máximo!

- Dona Madona, a senhora estudou ?

- Antes de virar travesti e casar eu trabalhava na agricultura, eu cuidava dos meus pais. Estudei até a 7ª série.

- Pois é, Dona Madona, e por que a senhora não volta a estudar?

( Ela baixa a cabeça e começa a chorar.)

- Eu tô desiludida da vida. Ninguém me dá emprego. As pessoas tem nojo de mim.

- A senhora está sendo mal tratada aqui?

- Não. Mas eu tentei efetuar registro em outra cidade, me roubaram os documentos, ninguém quer me atender. As pessoas tem nojo de travesti.

- E por que a senhora não volta a estudar? Por que não faz um curso de manicure, cabeleireira, faxineira?

- O senhor acha que alguém me daria emprego de faxineira? Vou trabalhar em uma casa e vão dizer que eu tô junto com o dono.

- Bom. Eu lhe dei a sugestão. Estou homologando o divórcio. A guarda do filho vai permanecer com a mãe e a visitação vai ser mantida da forma como já foi fixada. A partir de hoje a senhora está divorciada.

Madona assina o termo e levanta-se para ir embora. Na saída, abre a porta da sala e diz:

- Doutor, o senhor é o máximo !...

 Fonte: www.espacovital.com.br

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