terça-feira, 5 de setembro de 2023

ROMANCE FORENSE

A tri gata

Era maio de 2014. Na segunda cidade mais populosa do norte do RS, a jovem Estefânia atendeu à convocação de seu banco, para atualizar seu cadastro e se apresentou na agência local.

Atendeu-a o Alvarenga, que foi aumentando as gentilezas à medida em que percebia detalhes extra cadastrais: ela era bonita, bem vestida, perfumada, unhas bem feitas).

Simultaneamente, o bancário interessou-se por detalhes exclusivamente cadastrais: ela era solteira, bem empregada, renda acima dos padrões da cidade.

Arguto, Alvarenga disse a Estefânia que – para “eventuais ações de interesse do banco” – necessitava dispor do número do celular da correntista, que foi anotado na ficha.

Atualizações feitas, o bancário despediu-se protocolarmente: “O Itaú agradece sua visita”.

Horas depois, já em casa, Estefânia recebeu provocante mensagem de texto no seu celular: “Lembra que te atendi hoje? Mando esta mensagem para dizer que te achei tri gata! Fiquei afim de ficar com você e, quem sabe, se rolar um sexo bom... Há possibilidade? Beijo’’.

No dia seguinte, Estefânia voltou ao banco e informou o ocorrido ao chefe de serviço (o gerente não pode atender...). Ela saiu dali, foi à Polícia Civil (para registro de ocorrência) e a um tabelionato (para uma ata notarial). Uma semana depois, ela já era autora de uma ação indenizatória por dano moral.

O banco contestou. A tese da Estefânia não convenceu o juiz. "Se os comportamentos antes ditos soavam impróprios há 30 anos passados, hoje não são mais e são agora tolerados pelo padrão médio da sociedade. Assim, uma proposta de encontro com objetivo sexual não mais pode ofender a moral da mulher comum, como é o caso que aqui se apresenta" – refere a sentença de improcedência do pedido de reparação moral.

O caso subiu ao TJRS. A câmara reverteu o julgado. "A fundamentação da sentença abordou a questão de forma grosseira, quiçá, discriminatória" - escreveu a relatora. Ela ainda considerou ser inaceitável que um funcionário de banco utilize dados cadastrais para mandar mensagens de conteúdo sexual a clientes.

O desembargador revisor alfinetou: “Gostaria de saber se o magistrado sentenciante, ou qualquer um de nós, acharia normal e adequado aos ‘tempos modernos’ que nossas esposas/companheiras/noivas/ namoradas/filhas recebessem o tal torpedinho de assédio explícito”...

A decisão condenou o banco a pagar reparação moral de R$ 8 mil. Houve o trânsito em julgado e o pagamento da indenização. Na esfera trabalhista, o Alvarenga foi demitido sem justa causa.

Na comarca interiorana, advogados avaliam uma das frases da insensível sentença local: “Bastava à autora da ação deletar a mensagem, mas ela cumpriu um périplo renitente em fazer marcar e anunciar o conteúdo da malfadada mensagem, mediante o caminho da delegacia de polícia, do tabelionato e da agência bancária, tudo apontando não para uma ofensa, mas para a ideia de auferir algum benefício financeiro com o fato”...

Em tempo: o magistrado prolator cuja sentença – segundo o acórdão - “desbordou dos padrões”, já foi promovido para a comarca de Porto Alegre, por antiguidade.

Fonte: www.espacovital.com.br

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