sábado, 31 de maio de 2025

ROMANCE FORENSE

Charge de Gerson Kauer
O homem sem cuecas

Ao se preparar para a audiência de instrução, o juiz se deparou com uma situação inusitada: a petição inicial afirmava que o reclamante não podia usar cuecas no trabalho e era obrigado a ficar totalmente nu durante as revistas.

De profissão tesoureiro, o empregado - um homem formal e honesto, como tinha que ser para a função - foi convincente ao depor: “Ao ser submetido a constantes revistas íntimas, sentia-me humilhado e constrangido pelos procedimentos adotados pela empresa”.

O magistrado apertou no depoimento do preposto da empresa de segurança e transporte de valores, que terminou admitindo que “a revista era feita numa sala anexa à guarita, na saída da tesouraria, onde ficava um vigilante”. E detalhou: “O empregado tinha que entrar nesse local e tirar toda a roupa; não podiam usar cuecas; às vezes, também tinham que se abaixar”.

As feições do juiz eram de surpresa. O preposto continuou falando: “Na rotina de trabalho, os empregados da tesouraria só podiam usar chinelos e um macacão sem bolso e com um fecho traseiro”.

- E para ir ao banheiro, fazer pipi? – questionou o magistrado.

- Quem precisasse ir ao banheiro ou se ausentar da tesouraria, tinha sempre que passar por uma nova revista.

- E no final do expediente? – quis saber o juiz.

- Normalmente, a revista era individual, mas às vezes era de forma coletiva, com mais de um empregado, todos nus ao mesmo tempo.

O juiz dispensou a prova testemunhal e, na sentença, justificou que “só o depoimento do preposto já é suficiente para demonstrar a abusiva conduta patronal, que dispunha de outros meios para fiscalização, como, por exemplo, as câmeras de circuito interno. Portanto, é invasivo o procedimento de obrigar o tesoureiro a trabalhar sem cuecas e a, episodicamente, ficar nu na saída de seu local de trabalho, o que serve apenas para ofender a sua intimidade”.

O julgado foi confirmado pelo TRT, rechaçando a tese recursal de que “a prévia ciência sobre a existência da revista – informada e documentada quando da contratação do reclamante - dele retira o direito de pleitear qualquer indenização”.

A condenação por dano moral foi de R$ 30 mil.

Na corte e na vara, a ação ficou conhecida como “o processo do homem que estava proibido de usar cuecas”.

Fonte: www.espacovital.com.br

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