sexta-feira, 11 de setembro de 2020

MR. MILES

O SOPRO DO VENTO DA PRIMAVERA
Fabio Vendrame

Como era de se esperar, alguns professores de idiomas diversos não gostaram da última crônica de nosso célebre viajante. Para os que não se lembram, mr. Miles ensina a uma leitora assustada com problemas de língua que o importante é se fazer entender – e não, necessariamente, dominar o vernáculo. Mr. Miles aceita as críticas, com sua fleuma tradicional, mas manda dizer que, como ele mesmo fala algumas dezenas de idiomas (“nem todos com maestria, como vocês podem reparar observando a pobreza do meu português”), não se pode acusá-lo de um inimigo do conhecimento.

“Aliás, de qualquer conhecimento, as you know”. De outra parte, o correspondente britânico agradece aos inúmeros leitores que se divertiram com as histórias por ele contadas na semana passada. Um deles, lembrando-se da história da avó de Ronny Hein – amigo brasileiro de mr. Miles –, comentou: 

“Pior ocorre com a minha nonna. Ela nunca aprendeu o português, mas já esqueceu quase todo o seu italiano nativo. Fala, portanto, um idioma peculiar e particular”.

A seguir, a pergunta da semana:

Mr. Miles: lendo seus comentários sobre a Geórgia, fui consultar um mapa-múndi e me surpreendi ao saber que a Geórgia é considerada parte da Europa, embora fique centenas de quilômetros a leste do Estreito de Bósforo, que é onde, teoricamente, começa a Ásia. Como se explica isso? (Ricardo Kovalic Torres, por e-mail)

“Well, my friend: são convenções, apenas isso. Suponho que os critérios de quem definiu essas divisões levavam em conta, for instance, a cor da pele da população predominante. Sendo os georgianos caucasians, seria difícil considerá-los “orientais” ou asiáticos. Da mesma forma, como grande parte dos turcos da Anatólia tem a pele mais morena e os traços comumente mais associados a povos orientais, ficou estabelecido que os territórios a oeste do Bósforo já constituiriam um novo continente.

That’s all foolery, Richard. Basta olhar o mapa e você perceberá que, exceto por nossas ilhas, que encabeçam o território com um ligeiro e oportuno distanciamento dos gauleses, a Europa e a Ásia são uma única porção de terra pela qual, thank God, espalham-se povos diferentes, com valores peculiares, gastronomia própria, crenças e hábitos distintos. That’s amazing, isn’t it?

Não há oceanos a separar essa gente toda. É apenas um longo e contínuo caminho sem qualquer monotonia. Muda a arquitetura. Mudam os templos. Mudam os trajes. O idioma que se fala aqui já não é compreendido depois daquela montanha. O alfabeto que se utiliza nessa margem do rio não é o mesmo do lado oposto. Até o tempo é outro: o calendário que orienta a vida desse povoado difere do que é utilizado pela aldeia vizinha. I love it. É um mundo fascinante como um jardim florido de cores, tamanhos e aromas variados.

Eis o prazer e o mistério de viajar: nossas próprias convicções apresentadas às dos outros e com elas confrontadas; a oportunidade de aprendermos e de ensinarmos. Sobretudo, of course, a chance de se divertir com gente diferente e… oh, My God! My apologies, Richard! Você fez uma pergunta quase técnica e eu acabei me perdendo em devaneios. Deve ser o vento da primavera que começa a soprar.”

Fonte: O Estadão

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