quinta-feira, 26 de novembro de 2020

RESQUÍCIO DO IMPÉRIO

RESQUÍCIO DO IMPÉRIO
Hélio Schwartsman

Renda não pode ser critério para definir quanto dinheiro eleitor pode dar ao candidato

O Brasil é um país engraçado. Em nome de um elusivo equilíbrio na disputa eleitoral, regulamos até o tamanho do cartaz que o cidadão pode afixar em sua janela (0,5 m2 no máximo), mas permitimos que milionários façam doações polpudas, com muito maior poder de “influenciar” o voto.

Não tenho nada contra doações de pessoas físicas, muito pelo contrário. Não vejo grande diferença entre fazer um discurso apaixonado em defesa de um candidato, algo que a maioria das pessoas toma como sinal de vigor da democracia, e abrir a carteira para ele. Acho até que a competência para arrecadar fundos é um bom “proxy” da capacidade gerencial que desejamos nos administradores.

Não vejo, porém, como justificar a norma aqui adotada que fixa o limite da doação em 10% da renda bruta auferida pelo eleitor no ano anterior ao do pleito. Como mostrou reportagem da Folha, esse mecanismo permite que empresários bem-sucedidos irriguem as campanhas de seus políticos favoritos com valores significativos, que podem exceder R$ 1 milhão.

Há aí um erro conceitual. Assim como uma conta bancária mais gorda não dá direito a depositar mais votos na urna, a renda do eleitor não poderia jamais ser critério para definir quanto dinheiro ele pode despejar numa eleição.

O limite da doação deveria ser, no melhor espírito democrático, um valor nominal igual para todos. E não muito elevado, para evitar que o eleito se torne grande devedor de seus patrocinadores. Penso em algo como R$ 3.000, R$ 5.000 no máximo —números já bem superiores ao rendimento domiciliar mensal médio do brasileiro, que foi de R$ 1.406 em 2019.

Vejo nessa regra dos 10% um resquício do voto censitário que já vigorou entre nós (Constituição de 1824) e que estabelecia que apenas homens livres, maiores de 25 anos e com renda anual de mais de 100 mil réis podiam votar nas eleições primárias. É algo que já deveríamos ter superado.

Fonte: Folha de S. Paulo

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