sábado, 6 de março de 2021

CIENTISTAS SE ESQUECERAM DE COMBINAR COM DARWIN

CIENTISTAS SE ESQUECERAM DE COMBINAR COM DARWIN
Hélio Schwartsman

Com os antimicrobianos dos anos 60, controle de infecções parecia questão de tempo

"Já é hora de fechar o livro das doenças infecciosas e declarar ganha a guerra contra a pestilência". A frase, que teria sido cunhada no final dos anos 60, é atribuída a William Stewart, que ocupava então o posto de cirurgião-geral dos EUA. Ele, porém, nunca a proferiu.

Pelo contrário, Stewart tentava combater o excesso de otimismo que os novos antibióticos despertavam na classe médica. Muitos estavam convencidos de que, com as novas classes de antimicrobianos desenvolvidas entre os anos 40 e os 60, o controle das infecções seria questão de tempo.

Esqueceram-se de combinar com Darwin. A resistência de bactérias a antibióticos e os mecanismos usados por vírus para evadir a resposta de sistemas imunes (e de vacinas) são fenômenos previstos pela seleção natural.

A base de tudo é a mutação. Mutações são essencialmente erros de cópia. A esmagadora maioria é letal ou neutra para o organismo. Uma fração delas --e seria tentador chamá-las de erros que deram errado virando um acerto-- lhes confere alguma vantagem competitiva, que tende então a fixar-se na população.

Os números não jogam a nosso favor. Se as gerações humanas se sucedem em pares de décadas, as de vírus e bactérias podem vir em horas. E cada humano doente carrega bilhões de patógenos. No caso da Covid-19, um infectado sintomático traz entre 104 e 107 cópias do vírus por mililitro de sangue. Um adulto tem entre 4,5 e 5,5 litros de sangue, e, obviamente, não é só nesse fluido que o vírus se aloja.

A moral da história é que, com tantas partículas virais se reproduzindo em intervalos tão curtos, se houver a possibilidade matemática de mutação que confira vantagem reprodutiva, ela acabará ocorrendo. E quanto mais gente doente houver na população, mais rápido ela virá.

Espero que a alta de casos no Brasil já seja resultado das variantes mais infecciosas, porque, se não for, a coisa ainda vai piorar muito.

Fonte: Folha de S. Paulo

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