sábado, 7 de maio de 2022

GUSTAVO KUERTEN: O MENINO DA ILHA

 
GUSTAVO KUERTEN: O MENINO DA ILHA*
Por Laurete Godoy

Gustavo Kuerten, ou apenas Guga, muito agradecida por ter: entrado na quadra, demonstrando serenidade. Vibrado baixinho, quase mudo, socando o ar miudinho junto ao chão, provavelmente com receio de ferir os brios dos seus oponentes…

Caetano que me perdoe, mas a onda, hoje, não é do menino do Rio. É todinha, do Menino da Ilha. Ilha que já foi Nossa Senhora do Desterro e depois, apenas Desterro. Passou a Florianópolis e virou Floripa.

Foi lá que surgiu o garoto alto, magro, loiro, riso de dentes brancos, olhar com brilho de estrelas. Menino boa pinta, boa ginga, braços fortes treinados para segurar raquetes e especializados em bater com energia, bolas de tênis. Tênis azuis como o céu, protegendo pés de pernas elásticas, que se locomovem com ritmo, levando o corpo esquio para todos os cantos da quadra. Quadra batizada com o nome de um francês, primeiro aeronauta que ousou atravessar voando, o Mar Mediterrâneo. Quadra de Roland Garros, onde o menino da ilha chegou suavemente, como a brisa que sopra em Floripa nos dias quentes de Verão. Verão que leva os surfistas para as praias de ondas fortes, com pranchas que fazem desenhos nas águas. Águas verdes, fartas e dadivosas, onde os pescadores ou “Manezinhos” jogam as redes. Redes que nunca pegaram jacaré, porque lá JACARÉ é nome de um ídolo de time de futebol, por saber estufar redes de traves adversárias. Onde JACARÉ navega por um Avaí de muita torcida. Torcida que se levantou, gritou, vibrou, exultou e chorou pelo menino que tornou sua ilha conhecida no mundo inteiro.

Bonito ver o Guga colorir de azul e amarelo o cenário que, até então, era pintado só com o vermelho do saibro, o branco dos limites da quadra e dos uniformes dos jogadores.

Quem diria! Que você, Guga, pouco mais que um menino, jogando Tênis ou flipperama, de bandana ou boné virado, estivesse ditando moda. Corajoso, mostrou que quem tem condições e quer, pode quebrar paradigmas.

De repente você provocou uma confusão danada, porque passou a ocupar todos os espaços. Em sua homenagem o futebolista Jacaré jogou tênis em campo de futebol. As areias das praias de Florianópolis ficaram vermelhas como o piso da quadra onde você reinou absoluto. Nos dias de pescaria, as redes dos Manezinhos ficaram vazias de pescado, por estarem repletas de bolas de tênis. Que ali foram colocadas por um menino mágico, menino maravilha, que foi tenista, depois “surfista do saibro” e terminou como aeronauta. Decolou do Brasil em silêncio, voou alto, fez piruetas e parafusos, atravessou um mar de grandes campeões e transformou-se no primeiro brasileiro a aterrissar no mais honroso lugar do pódio de Roland Garros.

O mundo se rendeu ao Infante Dom Gustavo. Todas as frases e atitudes por ele proferidas e adotadas transmitiram sábias e consistentes lições. Foram exemplos vivos do tão preconizado fair-play, ou “jogo limpo”.

Gustavo Kuerten, ou apenas Guga, muito agradecida por ter: 
  • Entrado na quadra, demonstrando serenidade. 
  • Vibrado baixinho, quase mudo, socando o ar miudinho junto ao chão, provavelmente com receio de ferir os brios dos seus oponentes. 
  • Recebido as vitórias com surpresa e humildade. 
  • Administrado muito bem a sua euforia. 
  • Transformado o pódio em altar, limpando os pés antes de pisar naquele espaço sagrado. 
  • Dado a impressão de estar se desculpando pelo sucesso. 
  • Reverenciado o herói do passado, antes de receber dele a coroa de campeão do presente.
  • Conversado com a rede antes do jogo e beijado a taça após a vitória.
  • Agradecido publicamente ao Larry Passos, seu treinador, oferecido o prêmio ao Guilherme, seu irmão, demonstrado amor pela família e amigos e ter falado que homenageia seu pai a “cada segundo do dia”.
  • Declarado que é fã do Jacaré, amigo dos Manezinhos, gostar de surf, comprar cedês, ter ficado feliz e emocionado com o aplauso dos futebolistas da seleção brasileira e, principalmente, por se iluminar ao falar de Floripa.
Por favor, permaneça sempre assim. Não deixe que o fulgor do ouro nem a altura da escada da fama o levem para lugares onde, normalmente, os ídolos costumam ficar.

Parabéns, Guga. Valeu, menino que já foi da ilha e agora é de todo o Brasil. Não apenas o pequeno Guga do papai Aldo, da mamãe Alice, da vovó Olga ou do treinador Larry… Agora também, o grande Guga de todos nós. Por favor, permaneça sempre assim.

Aconteça o que acontecer, procure manter essa alegria tão bonita, dentro do coração. É ela que faz seus olhos brilharem mais que as estrelas do céu de Floripa, em noite de Lua Nova…

Crônica publicada na Revista da Federação Paulista de Tênis – nº 46 – julho de 1997.

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 Laurete Godoy – pesquisadora e escritora. Autora do livro Brasileiros voadores – 300 anos pelos céus do mundo.

Fonte: https://www.chumbogordo.com.br

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