sexta-feira, 4 de novembro de 2022

MR. MILES


Eles que falem enquanto me farto

De Budapeste, onde encontrou um clima quase estival em pleno mês de abril, nosso correspondente envia a correspondência desta semana. Mr. Miles foi visitar alguns velhos amigos de que gosta muito. Mas não ficou com eles mais do que cinco dias consecutivos, porque todos eles foram passados ao redor de uma mesa onde a comida não parou de ser servida por um momento sequer. Os húngaros adoram conversar e polemizar. Se estão com o tempo livre comem e conversam sem qualquer intenção de descansar ou dormir em algum inexistente entretempo. Mesmo para o homem mais viajado do mundo, esse tipo de conversa torna-se, às vezes, cansativa. "Confesso que não domino o estranho idioma que meus amigos magiares falam. Portanto, além de comer, o que me resta é propor alguma conversa paralela seja em que outro idioma for. "Unfortunately, my friends, todas as conversas levam ao húngaro".

Para falar mais sobre o tema, Mr. Miles tirou uma pergunta não-respondida de sua imensa caixa-postal.

Querido senhor Miles: conheci um rapaz muito simpático quando estive estudando em Barcelona. Ele é húngaro e fala muito mal o espanhol. O senhor acha que nossa relação poderá prosperar se eu não aprender o húngaro?
Ana Carolina Mastrucci, por email

Well, my dear: se depender do idioma, é melhor você procurar outro "rapaz muito simpático." Os húngaros, como eu posso testemunhar mais uma vez em minha vida de peregrino pelas margens do Danúbio, formam um povo hospitaleiro, gentil, ligeiramente bagunçado and, of course, charming. Deus lhes deu — se isso é preocupação divina — , however, um idioma tão privativo e peculiar que não há quem os entenda, exceto eles próprios.

Let me explain: ao contrário das línguas indo-europeias que deram origem aos idiomas latinos, aos eslavos, aos teuto-saxões e suas variações, na Hungria fala-se um idioma pertencente a um inexplicável grupo chamado fino-úgrico — que não se perca pelo nome. Sua origem, desde já desculpando-me pela presumível erudição é urálica. Ou seja, teria nascido nos Montes Urais, local, by the way, onde nasceu um certo Árpad, o homem que trouxe esse povo remoto até a beira do Danúbio e do lago Balaton, na Europa Central.

Não se sabe se foi Árpad que inventou a páprica, mas se isso fosse verdade, seu legado teria sido mais importante do que o idioma que trouxe das lonjuras russas.

Anyway, o húngaro não serve para nada — a não ser para os próprios húngaros. Diz-se que ele é aparentado do finlandês, mas jamais conheci um húngaro que tivesse trocado uma única palavra compreensível com esses nórdicos. Tampouco os finlandeses entendem qualquer som em húngaro, apesar da chamada raiz fino-úgrica.

Nesses dias agradáveis na casa de meus queridos amigos Rácz, fiquei prestando enorme atenção ao que se conversava entre salames, pepinos, e pães untados com gordura de fígado de ganso. Embora, as you know, eu seja capaz de me virar em 56 idiomas e outros 23 dialetos (um patrimônio que a vida de viajante me fez adquirir) não compreendi nada. Nem mesmo o tema. Seria futebol? Ou estariam eles discutindo descobertas filatélicas? Seria política ou, perhaps, histórias sobre alguma viagem de balão em Bagan, na antiga Birmânia? No idea, no clues. Nenhuma pista sequer!

Cheguei mesmo a pensar em participar de algum curso intensivo de húngaro, de modo a não ter de repetir a vergonhosa experiência. Há, however, tantos outros idiomas mais importantes e utilizados que ainda não conheço. O húngaro é praticado por cerca de dez milhões de pessoas no planeta. For your information: isso é menos do que um terço da torcida do Corinthians!

Decidi, therefore, dedicar-me à deliciosa arte de ingerir comida húngara, o que inclui a divina patisserie que você encontrará na Confeitaria Gerbeaud, uma das mais deliciosas e antigas do mundo, em Budapest. Eles que falem enquanto eu me farto. Don't you agree?

Fonte: Facebook

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