segunda-feira, 9 de agosto de 2021

DIVERGÊNCIA CONVERGENTE

DIVERGÊNCIA CONVERGENTE
Hélio Schwartsman

Filósofos mostram que é possível discordar sem agredir, virtude que parece em falta nos dias de hoje

Daniel Dennett e Gregg Caruso. Ambos são filósofos e defendem uma reforma radical do sistema penal, que inclui a abolição da sentença capital, uma substancial redução das penas e a criação de programas que ajudem na reinserção social dos prisioneiros depois que deixam a cadeia. Mas as razões por que fazem isso não poderiam ser mais diferentes.

Dennett sustenta que o livre-arbítrio existe (ainda que numa modalidade bem “leve”) e que ele é compatível com o universo determinista em que provavelmente vivemos. Já Caruso afirma que o livre-arbítrio não passa de ficção, quer vivamos num universo determinado ou indeterminado.

Se os dois, partindo de pressupostos diametralmente opostos, chegaram a resultados parecidos, espíritos ultrapragmáticos podem ficar tentados a concluir que a filosofia é mesmo “a ciência com a qual ou sem a qual o mundo vai tal e qual”. Mas, para os que, como eu, acreditam que razões fazem diferença, então a leitura de “Just Deserts” (justos merecimentos) surge como um banquete intelectual.

O livro consiste em três baterias de discussões, em que os dois filósofos esgrimem seus melhores argumentos. É uma viagem fascinante por temas tão vastos como moral, direito, acaso, escolha. Há até pitadas de física. Para não deixar o leitor na fissura, já adianto que o elemento que permitirá que os autores convirjam parcialmente é uma espécie de consequencialismo. Quer sejamos seres livres, quer sejamos autômatos que só respondem a causas externas, a possibilidade de ser preso é um estímulo que as pessoas não costumam ignorar. Assim, sanções podem justificar-se, não como resposta retributivista a ações passadas, mas como medida que visa a assegurar o futuro da coletividade, ao protegê-la de atos antissociais.

Como bônus, o cavalheirismo e a elegância dos debatedores mostram que é possível discordar sem agredir, virtude que parece em falta nos dias de hoje.

Fonte: Folha de S. Paulo

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