quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

CIÊNCIA NÃO É LUGAR PARA TORCEDORES

CIÊNCIA NÃO É LUGAR PARA TORCEDORES
Pedro Hallal

Na ciência, as perguntas são tão importantes quanto as respostas

Uma das premissas mais fundamentais da ciência é que as perguntas são tão importantes quanto as respostas. Em outras palavras, a ciência vive de desafios e incertezas, e não de certezas e verdades absolutas. Desafiar o conhecimento vigente é um pressuposto fundamental para o avanço da ciência. Exatamente por isso, ciência não é lugar para torcedores e, definitivamente, ciência não é lugar para acomodados.

Desde o princípio da pandemia, cada vez que surge uma questão científica relevante, as pessoas começam a disseminar respostas, muitas vezes precipitadas e baseadas em premissas ideológicas. Cada vez que um cientista manifesta sua opinião, imediatamente vem uma avalanche de comentários, a maioria deles tentando qualificar ou desqualificar o mensageiro, sem qualquer preocupação com a mensagem. Por exemplo, cada vez que manifestei a minha opinião sobre lockdowns e sobre a ineficácia do famigerado tratamento precoce, fui atacado imediatamente por uma milícia digital. Os ataques normalmente são contra mim, e não contra as ideias que manifesto.

Mas o interessante é que esse comportamento não é exclusivo dos negacionistas. Ao contrário, como mecanismo reativo, muitas pessoas que se colocam na posição anti-negacionismo passaram mais recentemente a adotar esse mesmo modus operandi. Numa mesma semana, aqueles que o aplaudem podem lhe vaiar, caso a sua opinião não agrade suas convicções e certezas (repito: muitas vezes precipitadas e baseadas em premissas ideológicas).



2. A variante ômicron é mais agressiva do que as "versões anteriores" do vírus?

3. As vacinas existentes protegem contra a variante ômicron?

O Brasil e o mundo precisam de cientistas (e não de torcedores) para obterem essas respostas.

Desde a descoberta da nova variante, cientistas têm buscado respostas, com bastante agilidade, para tais perguntas. Ainda há mais dúvidas do que certezas, o que é absolutamente compreensível para uma variante tão recente. O que não é compreensível é a quantidade de manifestações de ódio sobre cada opinião científica emitida nesse período.

Alguns colegas compartilham com vigor estudos preliminares mostrando que a ômicron parece ser mais transmissível do que as versões anteriores do vírus, mas acusam aqueles que compartilham os estudos (também preliminares) sugerindo que a nova variante possa não ser mais agressiva do que as versões anteriores do vírus.

Quando um cientista ousa sugerir que a efetividade das vacinas existentes possa não ser tão alta contra a nova variante, o pesquisador é acusado de estar atacando os imunizantes. Ora, todos os estudos disponíveis sobre a variante delta mostraram que as vacinas tinham sua efetividade diminuída para a delta, em comparação com as versões anteriores do vírus. Nosso papel é reconhecer isso e trabalhar para melhorar os imunizantes, e não atacar os cientistas que identificaram essa menor efetividade.

Doses seguras de bom senso e tranquilidade são necessárias para que a ciência siga cumprindo seu papel durante a pandemia. Enfrentar o vírus e os negacionistas já é suficientemente complicado. Não precisamos ter que enfrentar os torcedores também.

Fonte: Folha de S. Paulo

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